Mulher, esposa, companheira: da palavra que falta para nomear um amor
Minha companheira, minha parceira, minha comparsa. Ouço essas sugestões que vão se fazendo mais comuns em rodas sem conhaque e ainda assim continuo ressabiado. Cada uma delas parece dizer outra coisa, subtrair amor do amor e lhe acrescentar outra finalidade: a companheira de militância, a parceira de projetos vários, a comparsa de crimes inconfessáveis. Alguém poderá elogiar a neutralidade de cônjuge, em certos círculos também conhecido como conge, mas é difícil ouvir essa palavra e não pensar de imediato em trâmites jurídicos e burocráticos, e a isso o amor não quer se prestar. De minha parte, por fim, me vali enquanto pude da palavra namorada, que guarda sua ternura e sua simplicidade, mas depois de duas décadas de relação senti que se fazia tarde para tal nome.
De tudo isso talvez se possa concluir que falta uma palavra, e onde falta uma palavra quase sempre falta um sentido, falta uma compreensão mais exata de desejos e estados de alma. No fundo, cada um desses termos poderia dar conta do que queremos designar, se não houvesse um desconforto anterior, um desconforto que se inscreve entre o amor e a pessoa amada. Amo minha mulher: aqui o problema não está no amor nem na mulher, e sim no pronome que teima em se entremear. Minha mulher, minha esposa, minha companheira. Minha: em toda parte esse pronome possessivo, como o chamam com precisão os gramáticos.
Chego enfim ao que desejo nomear. O que me parece fazer mais falta é uma compreensão radical da emancipação dos corpos, é a aceitação verdadeira do princípio da liberdade. Minha mulher jamais será minha mulher, como eu também jamais serei seu homem. Talvez não possa nunca encontrar uma forma confortável de chamá-la, porque chamá-la pode ser prendê-la, pode ser um apelo para que ela aceite um estado de coisas e um lugar dado. O que digo é simples: que nos cabe viver as relações com mais leveza, fluidez, tranquilidade, sem tanto controle sobre aquilo que designamos próprio. E que talvez o melhor que possamos viver prescinda das palavras, seja apenas o apreço de uma companhia que se demora ao nosso lado, para a nossa sorte.
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