FriboiJBS abateu 9 mil bois com origem em 3 fazendas

Se crimes contra a humanidade não prescrevem - ou seja, nunca deixam de ser puníveis -, o mesmo vale para crimes ambientais. Hoje já se sabe que não há como desvincular a violência contra a floresta da violência que é cometida contra os povos que vivem nela, em processos por vezes tão complexos que a carne produzida nesse contexto acaba chegando à nossa mesa sem nos darmos conta de que nos tornamos cúmplices, mesmo que involuntariamente, desse emaranhado de violações a todos os tipos de vida.

Uma investigação inédita divulgada na última semana pela Repórter Brasil em parceria com o Greenpeace Brasil e o portal Unearthed, da Inglaterra, identificou que um dos maiores frigoríficos do planeta, a brasileira JBS, detentora da marca Friboi, abateu quase nove mil bois em três fazendas com desmatamento em Rondônia ao longo dos últimos quatro anos, sem que os sistemas de monitoramento e checagem socioambiental barrassem os negócios.

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O desmatamento ilegal na maior floresta tropical do mundo violenta direitos humanos nas duas pontas do processo. Ele só é possível porque grupos criminosos pressionam as comunidades que vivem nessas regiões protegidas, usando táticas de guerrilha como assassinato, perseguição e outros atos desumanos para expulsá-las de suas terras. O pesado maquinário usado por essas facções serve não só para extrair ilegalmente a riqueza da terra, como também a vida de crianças, como lembrou a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) em discurso nesta semana durante a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), que ocorre em Sharm El-Sheikh, no Egito. Como resultado, áreas por séculos protegidas por povos originários e usuários de terras rurais acabam sujeitas a uma violência sistêmica, que só é possível pela combinação de interesses de grandes corporações e instituições financeiras globais, descaso do governo e conivência de órgãos de fiscalização, em um processo que se acentuou nos últimos quatro anos sob a gestão de Bolsonaro.

Na outra ponta estão as consequências a médio e longo prazo da destruição da Amazônia - como o aumento exponencial das emissões de gases de efeito estufa, redução das chuvas e aumento da poluição - que atingem populações dentro e fora da floresta exacerbando as desigualdades, desabrigando milhares de pessoas e provocando mortes nas regiões mais vulneráveis do planeta.

O desmatamento ilegal para a produção de carne é um dos maiores colaboradores da crise climática. Não deixa de ser irônico o fato de que o Egito, país que sedia esta semana a maior conferência anual de clima e que enfrenta sérias acusações de violações de direitos humanos, esteja na lista dos países que importam carne das unidades da JBS envolvidas com atividades criminosas.

O caso recém denunciado da conexão das frigoríficas brasileiras com fazendas envolvidas com crimes ambientais e contra direitos humanos é apenas um exemplo desse tipo de violência sistêmica, que nos últimos dez anos gerou mais de 12 mil conflitos por terra ou água na Amazônia. Esses dados fazem parte de uma comunicação apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI) a partir de uma ação movida em conjunto pelo Greenpeace Brasil, Climate Counsel (Holanda) e Observatório do Clima. O documento fornece evidências de que uma rede organizada de políticos, servidores públicos, policiais, empresários, entre outros, realizaram ataques generalizados na região amazônica contra usuários de terras rurais e povos indígenas, em abusos que equivalem a crimes contra a humanidade. Foram 430 assassinatos no período, 2.290 ameaças de morte e 87 casos de tortura - além de mais de 100 mil expulsões ou despejos. Pouquíssimos deles foram propriamente investigados, julgados e condenaram seus mandantes.

São violências massivas e difundidas, que evidenciam a necessidade de se lutar para que atividades econômicas não se sobreponham aos direitos humanos e sociais. Não há mais como falar em combate à crise ambiental sem levar em conta as injustiças cometidas às populações dentro e fora da floresta. Proteção ambiental é também uma questão de direitos humanos, e fazer essa discussão no Egito - país que sufocou a sociedade civil durante a COP27, ao mesmo tempo em que recebeu lobistas de empresas de combustíveis fósseis e da indústria da agricultura em número maior do que a delegação de muitos países - se faz absolutamente essencial para avançarmos de forma sólida e consistente com o tamanho da crise que estamos enfrentando.

c - Greepeace/Divulgação - Greepeace/Divulgação Carolina Pasquali

Carolina Pasquali é diretora executiva do Greenpeace Brasil que, neste ano, completa 30 anos de atuação. Ao lado de todas as pessoas que buscam um mundo mais verde e pacífico, a organização atua pela defesa do meio ambiente denunciando e confrontando governos, empresas e projetos que incentivam a destruição das florestas.

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