Cidades são hostis para idosos e economia prateada é balela, diz Alexandre Kalache
O médico Alexandre Kalache viu com estranheza o burburinho causado pelos dados de projeção da população do Censo 2022 divulgados na última quinta-feira (22). Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a maior parcela da população brasileira em 2070 será de idosos. "Descobriram a pólvora. Já estou dizendo isso há muitos anos."
Já em 2050, cerca de um terço da população do Brasil terá mais de 60 anos, diz o especialista, segundo dados do próprio IBGE. As condições atuais de preparação para o envelhecimento em saúde, educação, mobilidade e trabalho, para ele, são ruins.
As cidades são hostis a idosos, diz Kalache, e a economia prateada, nome para o mercado voltado ao grupo com mais de 60 anos, é uma balela. O retrato atual da velhice, para o médico, é moldado pela desigualdade e exibe grandes parcelas de idosos endividados, responsáveis pelo sustento da família e com problemas crônicos de saúde.
O enfrentamento desse quadro deve começar agora, não apenas com quem já atingiu a maioridade, mas ainda na escola, para que adultos e idosos do futuro ao menos retardem o acúmulo de problemas. Mas ele vê uma prioridade quase nula de governantes e candidatos com a questão.
Médico gerontólogo, Kalache se diz um observador do envelhecimento. Essa foi a chave para um projeto que ele considera um legado dos anos como diretor de envelhecimento e saúde na OMS (Organização Mundial da Saúde).
Ele mapeou, a partir da visão dos porteiros de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, ações para tornar as cidades mais amigas dos idosos —e de habitantes de todas as idades, ele faz questão de destacar à Folha.
Qual a sua primeira impressão sobre a projeção do IBGE para 2070?
Quase um terço da população terá 60 anos ou mais já em 2050, são dados do próprio IBGE. Estranhei quando vi o barulho feito em relação a 2070, quando na verdade é logo ali. Vi com estranheza isso, descobriram a pólvora. Já digo há muitos anos: o grupo que mais cresce no Brasil é o de quem tem 60 anos ou mais, porque as taxas de fecundidade caíram abaixo do nível de reposição há 25 anos.
Como avalia a qualidade de vida rotineira de um idoso hoje no Brasil?
Os países hoje envelhecidos são os desenvolvidos, enriqueceram antes de envelhecer. Já o Brasil vai envelhecer muito antes de uma parcela substantiva da população ter recursos razoáveis. Pobreza e desigualdade são nossos principais problemas.
Temos uma ilusão de que o envelhecimento é cor-de-rosa, de que existe essa economia prateada. Sim, o grupo "60+" consome, mas falamos de salário mínimo. Conseguem comer e até colocar comida na mesa para os netos. A pandemia mostrou isso: a cada vez que morria um velhinho, sua família ficava na miséria.
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