Um brinde para Alain Delon

O suspeito usa "trench coat" e um chapéu fedora. No universo de "O Samurai", filme de 1967, de Jean-Pierre Melville, todos os homens usam "trench coats" e fedoras, o que dificulta a ação da polícia, mas nenhum com o rosto e a postura de Alain Delon.

No papel central, Delon olha para a câmera e não pisca, olha para um sujeito com uma arma apontada para ele e não pisca. São, talvez, a frieza e a impassibilidade mais marcantes do cinema. Cada gesto seu é estudado, mínimo, preciso.

Em uma cena, quando se aproxima do bar, é com autoridade e elegância inflexível, as costas perfeitamente eretas, o modelo do homem misterioso que sabe o que quer. Sem se apoiar no balcão diz simplesmente "uísque". O barman tampouco pisca. Há poucas hesitações nesse filme minimalista, como uma graphic novel em preto e branco.

O copo de uísque aparece, elemento único na decoração esparsa do cenário, de longos filetes transparentes, pingentes de vidro e cadeiras brancas. Uma banda de jazz está ao centro. A figura de interesse é a pianista, a atriz e modelo Cathy Rosier, nascida na Martinica.

O uísque vem com uma garrafa d'água ao lado. Por quê? Era tácito que fosse assim? Todos baixavam seus fedoras e punham água na poção escocesa? Água com gás? É melhor, especialmente se sair de um sifão. Mas o samurai Delon não toca em seu uísque. Vira as costas e sai, como se sua presença bastasse para causar o efeito pretendido, mesmo que em um minuto. Delon era assim, e os espectadores ficam satisfeitos, depois de brevemente mesmerizados.

No filme "A Piscina", o uísque também aparece, entre vinhos e algum aperitivo, talvez St Raphael, cujo anúncio passa de relance numa rua em "O Samurai". O diretor, Jacques Deray, explora os corpos de Delon e Romy Schneider com movimentos de câmera lentos, sensuais, destacando as curvas, a pele, as gotas d'água. É um casal de uma beleza ideal, venusiana, apolínea.

O melhor amigo (Maurice Ronet) aparece na villa em St. Tropez, onde passam as férias. Traz consigo a filha, uma Jane Birkin de 18 anos, tão bela quanto os anfitriões. A tensão sexual se estabelece e formas geométricas amorosas ganham contorno.

Numa noite de explosões emocionais, o amigo pega uma garrafa de uísque e começa a se embebedar ao lado da piscina. Delon surge com um copo e é servido. "Quando voltou a beber?". Ele responde: "Esta noite". "É bem seu estilo", diz o amigo. Está falando do personagem, mas poderia ser do próprio ator, morto recentemente, aos 88.

Em uma canção, um grupo soviético também associa Delon ao uísque, ou bourbon. Os papéis de gângster e homem de ação que interpretou, nas versões de filmes policiais estadunidenses, em alguma consonância com sua relação pessoal com o submundo, devem ter sugerido a bebida feita de milho.

A letra de "Gaze from the Silver Screen" menciona o hábito dos soviéticos de beber colônia barata como substituto da vodca racionada. "Alain Delon não bebe colônia/ Alain Delon bebe bourbon duplo". Era a ideia de refinamento nos domínios de Kruschev.

Em fotos de sua vida pessoal, Delon aparece com uma garrafa de champanhe. Era uma pessoa de caráter duvidoso, basta ver suas escolhas políticas. Mas era um ator único, de enorme carisma —veja "O Leopardo" e "Rocco e seus Irmãos". Controvérsias à parte, vale o brinde. Pelo olhar que vem da tela.

💥️XV CHAMPAGNE

15 ml de scotch

Um cubo de açúcar

Três lances de Angostura

Champanhe a gosto

Numa taça flute, molhe o cubo de açúcar com a Angostura, acrescente o uísque e depois complete com o champanhe.

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