Sudão: Por que ignoramos guerra com o maior número de afetados no mundo
💥️Forças de Suporte Rápidas. Com fundação no ano de 2013, as Forças de Suporte Rápidas (RSF, sigla em inglês) são um grupo paramilitar considerado "braço" do Janjawed, outro grupo radical sudanês. O grupo "mãe" das RSF recebeu apoio do governo para oprimir minorias étnicas na região do Dafur, no oeste do país, no começo dos anos 2000. A opressão é considerada o primeiro genocídio do século 21.
💥️O RSF é formado em sua maioria por jovens "sem qualquer concepção da lei", diz professor. Um dos fatos que chama atenção de especialistas sobre a atuação das Forças de Suporte é que parte dos crimes de execução e estupro cometidos pelos paramilitares são gravados e publicados nas redes sociais. O grupo também foi treinado pela Juventude Muçulmana, organização extremista que hoje repudia os atos de violência cometidos no país.
✅É como se os estudantes tivessem superado os professores. Você está lutando contra seu próprio projeto. Eles sabem como lutar. Eles sabem fazer massacres, genocídios, sabem matar, sabem como estuprar, sabem como explorar o pior da humanidade. É isso que eles fazem. É isso que eles são. Eles não têm qualquer concepção de lei.
💥️Awad Ibrahim, professor da Universidade de Ottawa
Linha do tempo recente da série de conflitos no país
💥️O Sudão se libertou da colonização do Egito e do Reino Unido em 1956. Desde então, viveu uma série de conflitos, com ao menos duas guerras civis e dois golpes de estado até o coronel Omar Hassan al-Bashir assumir o comando autoritário do país, em 1989.
💥️"Vislumbre da democracia" ocorreu em 2023. Na ocasião, o governo do militar Omar al-Bashir, que comandava o país há 30 anos, foi derrubado pelas Forças Armadas Sudanesas. O órgão militar se comprometeu a ter um governo misto com os civis como forma de transição até uma democracia.💥️Em outubro de 2023, quando eleições democráticas ocorreriam no país, os militares deram um contragolpe. O contragolpe derrubou civis do governo de transição com a justificativa de "evitar uma guerra civil". Na ocasião, as Forças Armadas contaram com o apoio das Forças de Suporte Rápidas.
💥️Após contra-golpe, ideia de democracia deu lugar a perseguições e torturas. Ao , Patrícia Teixeira Santos, professora associada de História da África da Universidade Federal de São Paulo, contou que os relatos de opressões, principalmente dentro das universidades, aumentaram. A professora tinha sido convidada para receber uma menção honrosa no país e viajaria em 21 de abril de 2023. A guerra eclodiu oficialmente uma semana antes.
✅Em 2023 foi a grande possibilidade de se perceber que por debaixo de tantos conflitos há uma sociedade civil muito pungente, com uma produção intelectual, literária, artística, política muito importante, que foi ouvida. Nessa escuta se percebe o desejo de democracia, mas esse desejo de democracia vai ser sufocado com esse golpe militar.
💥️Patrícia Teixeira Santos, professora associada de História da África da Universidade Federal de São Paulo
Militares que "se uniram" para derrubar civis entraram em guerra em abril de 2023. O que causou o conflito entre as Forças Armadas, oficialmente no comando do país, e a RSF, um braço miliciano, ainda é "nebuloso", mas tem ligação direta com a sede de poder na região.
✅Eles trabalharam juntos para derrubar o governo civil, para continuar a se beneficiar do estado, do acesso ao dinheiro, dos recursos. Eles eram ideologicamente alinhados, mas de outubro 2022 até abril de 2023 tiveram um conflito de interesse sobre de quem tinha o maior controle do governo, quem tinha o maior controle dos recursos.
💥️Awad Ibrahim, professor da Universidade de Ottawa
💥️Do outro lado, os Emirados Árabes Unidos dão apoio às Forças de Suporte Rápidas. Ao jornal New York Times, ex-oficiais dos Estados Unidos informaram que o país do Oriente Médio fornece armas, drones e transporte aos milicianos que ficarem gravemente feridos nos confrontos.
💥️País é o terceiro maior produtor de ouro da África e vive "Guerra por procuração". Para o professor de Ottawa, que é sudanês, o fomento internacional da guerra beneficia grandes países. Na análise dele, enquanto os sudaneses estiverem matando uns aos outros, os recursos preciosos existentes na região continuarão sendo explorados.
✅A pessoas estão se aproveitando da população local matando uns aos outros para se beneficiar dos recursos do país. Recursos que não são baratos. Temos ouro, muito ouro. As pessoas querem esse ouro. Elas [nações externas] pensam: "Se vocês vão matar uns aos outros e esse ouro vai sobrar para mim, podem se matar
💥️Awad Ibrahim, professor da Universidade de Ottawa
💥️Guerra com recursos naturais de plano de fundo não é novidade para alguns países africanos. República Democrática do Congo e Nigéria estão entre países que vivem ou viveram conflitos relacionados à exploração de recursos preciosos, geralmente com impulsão internacional.
💥️O Sudão foi palco do primeiro genocídio do século 21. Em 2003, dezenas de milhares de pessoas das etnias furis, massalites e zagauas foram mortas deliberadamente na região de Dafur. Os assassinatos em questão teriam sido cometidos por milícias de origem árabe, equipadas pelo governo com pretexto de "controlar rebeldes".💥️Ataques, geralmente voltados a pessoas de peles mais escuras e não-árabes, continuam a se propagar em 2023. Desde o início da nova guerra civil, menos três massacres contra etnias locais da foram registradas em Geneina, na região de West Dafur. Com o avanço da tecnologia, muitas das mortes agora são gravadas e compartilhadas nas redes sociais.
✅Temos registros desses massacres. Os membros das Forças de Segurança Rápida são tão estúpidos que operaram o massacre e gravam a eles mesmos matando essas pessoas. Eles claramente não têm qualquer noção de que existem leis. Eles não sabem que a lei vai ser aplicada contra eles cedo ou tarde.
💥️Awad Ibrahim, professor da Universidade de Ottawa
Por que conflitos na África são invisíveis?
💥️Para os especialistas ouvidos pelo YSOKE, a localização do conflito, no continente africano, é um fator que contribui diretamente para a banalização da guerra. Awad Ibrahim analisa que muitos encaram o ocorrido como "mais um conflito na África", que vai ser assunto por dois ou três dias e logo será esquecido.
💥️Ideia de "humanidade descartável" aumenta banalidade do caos. Para Patrícia Teixeira, ignorar os crimes que ocorrem no país também é uma manifestação do racismo e dos preconceitos construídos no imaginário coletivo em relação à África.✅Existe essa ideia construída no imaginário da grande imprensa de que a África é o continente do fracasso. Tanto pela questão do racismo, quanto pela questão da baixa representatividade, existe a ideia de que aquela humanidade que ali existe é uma humanidade descartável.
💥️Patrícia Teixeira Santos, professora associada de História da África da Universidade Federal de São Paulo
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